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Foto do escritorArquidiocese de Pelotas

Nossa vocação à santidade


“A santidade é o rosto mais belo da Igreja”, escreve o Papa Francisco. Ele quer que todos nós tenhamos tal rosto. Todos nós, os batizados, somos chamados à santidade. Ser santo é viver com alegria e coragem a vocação normal de cristão. Isso nos ensina o Papa Francisco em sua última carta coletiva, a Exortação Apostólica "Alegrai-vos e Exultai" (em latim: “Gaudate et Exultate”), publicada em 19 de março de 2018. No título da carta, o papa repete as palavras que Jesus dirige "aos que são perseguidos ou humilhados por causa dele”. O papa começa dizendo que não vai apresentar-nos um tratado sobre a santidade, mas quer fazer-nos um convite a sermos santos. E ainda quer mostrar-nos como podemos alcançar essa meta. Em cinco capítulos e 44 páginas, o Papa segue a linha de seu magistério mais profundo, a Igreja próxima à "carne de Cristo sofredor."

O chamado universal à santidade

Antes de mostrar o que fazer para se tornar santo, o Papa Francisco se detém sobre o chamado à santidade e reafirma: há um caminho de perfeição para cada um e não faz sentido desencorajar-se, contemplando "modelos de santidade que lhe parecem inatingíveis" e procurando “imitar algo que não foi pensado para ele”. Isto é, para Francisco, não faz sentido sonhar em tornar-se “um outro São Francisco” ou “uma outra Santa Teresa”. Cada um tem o seu caminho, que Deus preparou para ele. E os santos do céu? "Os santos, que já chegaram à presença de Deus" nos “protegem, amparam e acompanham", escreve o Papa. A santidade a que Deus nos chama irá crescendo com "pequenos gestos" cotidianos, tantas vezes testemunhados por “aqueles que vivem próximos de nós", a "classe média de santidade", o santo “da porta ao lado”. Gente comum, a mulher que prepara a comida para sua família, cria os filhos, visita um vizinho doente. O homem ou a mulher na rotina do seu emprego ou que milita no sindicato e na política.

Qual o melhor caminho da santidade? O Papa Francisco nos indica não apenas um, mas oito caminhos de santidade. São as oito bem-aventuranças, explicadas no capítulo três. No sermão da montanha, diz o Papa, Jesus "mostrou, com toda a simplicidade, o que é ser santo". No texto, o papa expõe brevemente cada uma delas. Da pobreza de coração e da mansidão até a que fala da “fome e sede de justiça” e do “que semeia a paz em um mundo onde há muita guerra e muito ódio”. A realidade mostra-nos como é fácil entrar nas malhas da corrupção, fazer parte desta política diária do “dou para que me deem”, onde tudo é negócio. "Manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor a Deus e ao próximo, isto é santidade”, resume Francisco. E adverte: “é necessário também aceitar as perseguições, porque hoje a coerência com as bem-aventuranças "pode ser mal vista, suspeita, ridicularizada" e, no entanto, não se pode esperar, para viver o Evangelho, que tudo à nossa volta seja favorável".

Cuidar do menor dos irmãos

"Bem-aventurados os misericordiosos": essa bem-aventurança contém para Francisco "a grande regra de comportamento" dos cristãos, descrita por Mateus no capítulo 25, sobre o "Juízo Final". Essa passagem de Mateus demonstra que "ser santo não significa revirar os olhos num suposto êxtase", mas viver Deus por meio do amor aos últimos. Infelizmente, observa o Papa, existem ideologias que "mutilam o Evangelho. Por um lado, há cristãos sem um relacionamento com Deus, que transformam o cristianismo “numa espécie de ONG, privando-o daquela espiritualidade irradiante", vivida por São Francisco de Assis, o defensor dos humildes e da natureza; por São Vicente de Paulo, criador das Conferências Vicentinas; e por Santa Madre Teresa de Calcutá, a mãe dos moradores de rua e dos “impuros” na Índia. Há os que "suspeitam do compromisso social dos outros", considerando-o como se fosse algo de superficial, mundano, secularizado”, como “coisa de comunista ou populista”, afirma o Papa. Devemos sempre defender a vida: “a defesa do inocente nascituro deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada”. Mas com a mesma paixão devemos defender a vida do estrangeiro, do migrante, do idoso. O santo aprende a “gastar” a própria vida nas obras de misericórdia.

As marcas da vida de um santo Como marcas, ou característica da vida de uma pessoa santa, o Papa não usa meias palavras: o santo não é um chato nem uma pessoa que se julga importante. O estilo de vida de um santo revela "perseverança, paciência e mansidão", transpira "alegria e senso de humor", demonstra "audácia e fervor". O caminho da santidade não é de solidão, mas é vivido como caminho "em comunidade" e "em constante oração", que chega à "contemplação", não entendida como “evasão que nega o mundo que nos rodeia”, mas um mergulhar-se em Deus e seu mistério. Esse modo de ser do santo é uma luta “constante contra a mentalidade mundana que nos engana, atordoa e torna medíocres". As maquinações do Maligno devem ser contrastadas com a "vigilância", usando as "armas poderosas" da oração, do discernimento, a adoração de Jesus na Eucaristia, os Sacramentos e uma vida impregnada pela caridade.

Francisco ainda ressalta a importância do "discernimento", em uma época "que oferece enormes possibilidades de distração" - das viagens ao tempo livre e ao uso descontrolado da tecnologia – coisas "que não deixam espaços vazios onde ressoa a voz de Deus". Francisco pede cuidados especiais para os jovens, muitas vezes "expostos a um constante zapping", em mundos virtuais distantes da realidade. "Não se faz discernimento para descobrir o que mais podemos desfrutar dessa vida, mas para reconhecer como podemos cumprir melhor a missão que nos foi confiada no Batismo."

Uma figura de santo que não me saía da cabeça enquanto eu lia essa exortação do Papa Francisco é a de Dom Luciano Mendes de Almeida, como o qual trabalhei como assessor da CNBB. Quando eu entrava em seu gabinete para despachar assuntos do programa de “Superação da Fome e da Miséria”, D. Luciano se adiantava para perguntar, com humildade: “Pe. Martinho, em que posso servi-lo”? D. Luciano teve seu processo de canonização encaminhado ao Papa Francisco. Um “santo” como tantos outros em nossa Igreja e até fora dela. Santos de altar e santos do quotidiano. Amigos de Deus e amigos dos outros, sobretudo dos mais frágeis. A exemplo de Jesus.

Pe. Martinho Lenz, jesuíta. Capelão da UCPel, Pelotas, julho de 2018.


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