A Área Pastoral de Pelotas esteve reunida na última sexta-feira, no salão da Paróquia São Cristóvão.
As lideranças de 11 das 13 Paróquias da cidade de Pelotas e Capão do Leão concluíram à série de encontros de formações sobre os sacramentos da Iniciação à Vida Cristã.
O tema meditado foi o Sacramento da Eucaristia, com foco nos escritos dos padres do século II e III, tendo como assessor o Pe. César Augusto Garcia, mestre em patrística. (O conteúdo apresentado encontra-se abaixo).
Na conclusão do encontro, foi recordado o instrumental para a preparação da Assembleia Arquidiocesana de Pastoras, bem como diversos encontros e promoções que ocorrerão nas próximas semanas.
Foi marcado para o dia 18/out, a próxima reunião para a síntese dos questionários e posterior envio ao Colegiado de Coordenação de Pastoral.
A Eucaristia nas fontes cristãs (Séc. II ao III)
Aproximarmo-nos das fontes cristãs sobre a Eucaristia é “re-conhecer” um itinerário de fé cristã riquíssimo de conteúdos, mistério, pastoralidade, espiritualidade, profecia e grandeza teológica. Porém será sempre um olhar incompleto, pois foram VIII séculos de história e vida eclesial que chegaram até nós, através de uma literatura cristã quase sempre incompleta e até nossos redescoberta. Ir às fontes, voltar às origens foi o desejo dos bispos e teólogos reunidos no CVII, para que partindo da experiência original do cristianismo, pudesse a Igreja retomar um caminho de renovação espiritual. Hoje com o itinerário de inspiração catecumenal estamos em nossas Igrejas, paróquias, atualizando o ideal “pastoral” do CVII. Nesta noite continuaremos nossos estudos sobre os Sacramentos de Iniciação, tentando olhar a “Eucaristia” nas fontes mais antigas do cristianismo.
1. Eucaristia e Igreja: um lugar para renascer.
Para os padres a ‘Igreja’ é antes de tudo, força de ressurreição, sacramento do Ressuscitado que nos comunica sua vida divina. É a “Nova Eva”, nascida do lado aberto de Cristo como Eva nasceu de Adão. A ideia moderna e mais formal, como a conhecemos, “Instituição”, é apenas um traço visível de um mistério! “Cristo submergiu o universo nas ondas divinas e santificantes. Fez jorrar para os sedentos uma fonte de água viva que brotou da ferida aberta de seu lado pela lança” ( Orígenes, In Livro dos Provérbios, 31, 18). Em outras palavras a Igreja é vista pelos padres, nos sinais sacramentais que celebra um“mundo em vias de transfiguração”. Os diversos sacramentos (mistérios) que Ela celebra são aspectos de certa sacramentalidade global (sementes do Verbo) da Igreja cujo coração, cujo o sol, é o mistério dos mistérios a Eucaristia.
1.1 Escritura o primeiro sacramento.
O verdadeiro pensamento cristão é eucarístico. A eucaristia do entendimento: ‘ Foi dito que bebemos o sangue de Cristo, não só quando o recebemos segundo os ritos dos mistérios, mas também quando recebemos suas palavras nas quais reside a vida, conforme ele mesmo disse: “ As palavras que vos disse são espírito e vida” (Orígenes; Hom. XVI, In Livro dos Números, 9).
2. A Eucaristia, fontes primeiras
Didaqué ou Doutrina dos Doze apóstolos. Escrita na Síria oriental (provavelmente dos anos 90-100), oferece-nos os textos mais antigos após a conclusão neo testamentária. É um pequeno “manual” litúrgico, com orientações pastorais, que apresentam um belo retrato da Igreja primitiva:
“ 9. Quanto à eucaristia, dai graças deste modo: Primeiro sobre o cálice “Nós te damos graças, nosso Pai, pela santa vinha de Davi, teu servo, que nos destes a conhecer teu Filho (servo) Jesus. Depois sobre a fração do pão (pão partido. (...). Assim como este pão partido estava disperso pelos montes e depois de colhido se tornou “um só”, assim se reúna a Igreja, dos confins da terra no teu Reino (...) ninguém coma ou beba de vossa eucaristia a não ser os batizados em nome do Senhor”.
Santo Inácio de Antioquia.
Foi discípulo do apóstolo João e segundo sucessor de Pedro na Igreja de Antioquia na Síria. Condenado às feras pelo Imperador Traiano, sofreu o martírio no ano de 107. Durante a viagem escreveu 7 cartas de profundíssimo conteúdo teológico e pastoral. Até Inácio, ninguém ainda ninguém havia apresentado um retrato da constituição hierárquica da Igreja com tanta clareza e coerência doutrinal. Sobre a Eucaristia deixou-nos importantes testemunhos:
“Procurai, portanto ter uma só eucaristia, porque uma só é a Carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, e um só é o cálice de unidade com seu sangue, um é o altar, e um é o bispo, com todo seu presbitério e os diáconos meus colaboradores no ministério” (Filadélfios, 4); “Abstém-se da eucaristia e da oração, porque não acreditam que a Eucaristia é a carne de Nosso Salvador, carne que sofreu pelos nossos pecados e que o Pai, em sua bondade, ressuscitou” (Esmirnenses).
“acreditai-me. Jesus Cristo vos fará compreender que digo a verdade. Ele é a boca da verdade, no qual o Pai falou verdadeiramente. Rogai por mim para que consiga (...) o meu amor está crucificado e não ha em mim qualquer fogo que se alimente da matéria. Mas há uma água viva, que murmura dentro de mim e me diz interiormente: Vem para o Pai. Não me satisfazem os alimentos corruptíveis nem os prazeres deste mundo. Quero o pão de Deus que é a Carne de Jesus Cristo, e por bebida quero o sangue que é sua caridade incorruptível” (Rm 7)
Plínio, o moço (112, na Bitínia)
“ Aliás, eles afirmavam que toda a sua culpa ou erro se tinha limitado ao ‘costume de se reunirem, num determinado dia, antes do nascer do sol, para cantarem entre si, alternadamente um hino a Cristo como a um Deus, e a comprometerem-se como juramento, não cometerem algum crime: nem roubos, nem adultérios, à não faltar a palavra dada (...) depois de realizarem esses ritos, tinham o costume de se reunirem novamente para tomar um refeição, a qual diga-se, é comum e inocente” (Ad Traianus; 7)
Chegamos a outra metade do II século do cristianismo: Este período de transição da segunda apostolicidade para o período do nascimento da Apologia cristã, acentuou certo desenvolvimento ulterior da liturgia católica: Nesta época sobressairão grandes nomes como, Irineu de Lion, Orígenes e Clemente de Alexandria, Tertuliano e Cipriano de Cartago (África) e porventura o primeiro a se destacar cronologicamente será um leigo, são Justino mártir. De origem Samaritana, Justino pode ter nascido por volta de 107, a 110. Filósofo, estudioso, na maturidade já é encontrado em Roma. Lá funda uma escola que até hoje investigamos: seria ela uma escola filosófica como muitas espalhadas nas grandes metrópoles antigas; seria ela uma escola catequética que flertava entre itinerário filosófico e catecumenal ou seria uma escola apenas catequética, voltada para homens cultos de Roma e que estavam aproximando-se da fé cristã. Sofre o martírio em Roma em 165, com mais 6 discípulos seus mais chegados, por inveja de Rustico (prefeito Romano).
Escreve duas apologias: Antônio Pio (imperador Adriano).
“Entre nós este alimento chama-se Eucaristia. Só dele pode participar aquele que, admitindo como verdadeiros os nossos ensinamentos, tenha sido purificado pelo batismo, pela remissão dos pecados (...) e leve uma vida como Cristo a ensinou”
“Rezamos em comum, por nós, por todos (...) para obter o conhecimento da verdade, d graça e guardar os mandamentos. Quando encerram as orações, damo-nos o ósculo da paz. Em seguida, são levados ao que preside a assembleia, dos irmãos o pão e o cálice de vinho misturado com água. Ele o toma nas mãos louva e glorifica o Pai do Universo pelo nome do Filho e do Espírito Santo, depois faz uma longa eucaristia para agradecer por termos sido dignos desses dons (...) Tendo aquele que preside feito a eucaristia e tendo o povo respondido, os ministros que chamam diáconos dão a todos os presentes o pão e o vinho consagrados e levam-nos aos ausentes.”
“ Na verdade, aquilo que recebemos não é pão nem vinho comum. Com efeito assim como Jesus Cristo, nosso Salvador, Se fez homem pelo Verbo de Deus e assumiu a carne e o sangue para nossa salvação, assim também nos foi ensinado que o alimento sobre o qual foi pronunciado a ação de graças com as mesmas palavras de Cristo, e do qual, depois de transformado, se alimenta o nosso sangue e a nossa carne, é a própria carne e Sangue de Jesus encarnado”
Os Apóstolos, nos seus comentários, denominados Evangelhos, transmitiram-nos o que foi Jesus quem assim os mandou fazer (...) tomou o pão e, dando graças, disse:
Fazei isto em memória de mim, Isto é o meu corpo (...) e tomando igual o cálice (...) Isto é o meu sangue (...) E no dia chamado do Sol (Domini; Elios), reúnem-se no mesmo lugar todos os que moram nas cidades e nos campos, e lêem-se na medida em que o tempo o permite, as memórias dos Apóstolos e profetas” (Primeira Apologia)
Existe um outro documento muito antigo (150) chamada “Epistula Apostolorum”, atribuída aos apóstolos mas não de sua autoria (Egito), que também medita sobre a Eucaristia: “quando eu voltar para meu Pai, celebrareis então a memória de minha sorte, isto é a Páscoa”.
Santo Irineu de Lion
Bispo de Lyon, atual França, nasceu em Esmirna, onde foi discípulo de São Policarpo e guardou fielmente a memória apostólica. Era presbítero em Lyon quando sucede Potino que receberá o martírio em 181, no grande martírio dos cristãos lionenses (177, pelo Imperador Antônio Pio). Escreveu sua grande obra “Contra as Heresias” em 180, frente o perigo da gnose filosófica que começara a desconfigurar o cristianismo. Morreu mártir em 202. Sobre a Eucaristia Irineu deixou-nos as seguintes reflexões:
“E ao ensinar a seus discípulos a oferecerem a Deus as primícias das suas criaturas, não porque tivesse a necessidade de nossos sacrifícios, mas para que eles não fossem infrutuosos e ingratos, tomou o pão, que é fruto da criação, pronunciou a ação de graças e disse: Isto é o meu corpo. E de igual modo tomou o cálice, fruto da criação a que nós pertencemos e declarou que era o sangue e ensinou a oblação nova da nova aliança; É esta a oblação que a Igreja oferece, pois recebeu dos Apóstolos em todo o mundo a Deus que nos dá o alimento, como primícias de seus dons na nova Aliança.” (...)
“Oferecemos-lhe, portanto o que é seu, testemunhando a comunhão, a unidade e a ressurreição da carne e do espírito. Assim como o pão que é fruto da terra, depois da invocação de Deus já não é pão ordinário e corrente, mas Eucaristia, composta de dois elementos, o celeste e o terrestre, assim o nosso corpo, recebendo a Eucaristia, já não é corruptível, porque têm a esperança da ressurreição”
“Se a carne não se salva, também o Senhor não nos redimiu com seu sangue, nem o cálice da Eucaristia é a comunhão do seu sangue, nem o pão que partimos é a comunhão com seu corpo (...) uma vez que o cálice de vinho misturado com água e o pão natural, ao receberem a palavra de Deus, se transformam na Eucaristia do Sangue e Corpo de Cristo, com os quais se alimenta e revigora a substância de nossa carne, como há quem negue que a carne seja capaz de receber o dom de Deus, que é a vida eterna, essa carne que se alimenta do Sangue e Corpo de Cristo se torna membro do seu corpo?” (Contra as Heresias, Livros III, IV E V).
Santo Hipólito de Roma e a Tradição Apostólica
Escrita entre os anos de 215 a 225, apresenta-nos a mais completa obra literária sobre a liturgia da Igreja até meados do século III. Nela encontramos as fontes e orientações mais antigas da Igreja de Roma sobre: Catecumenato, celebração Eucarística, ordenação de bispos, diáconos e presbíteros, ministérios leigos, e até a presença de crianças como ajudantes nas missas. É o melhor “retrato sobre a vida cotidiana da Igreja nascente”. Hipólito de Roma foi presbítero da diocese de Roma, e durante o cisma de Novaciano(presbítero de roma, se fez “bispo”, espécie de anti-papa, contra o papado de são Calisto, mas não aceito, por parte do clero). Grande teólogo, deixou-nos muitas obras, morreu mártir no ano de 236 na Sardenha. A primeira informação importante dada pela Traditio apostólica está na composição de uma singular oração Eucarística usada por nós ainda hoje: a número II. Ali encontra-se esta completa fórmula eucarística com muitas semelhanças as fórmulas usadas hoje na liturgia: Por ex: “ Na hora em que Ele se voluntariamente a paixão, para destruir a morte e despedaçar as cadeias do Diabo, calcar os pés o Inferno, conduzir os justos à luz(...) tomou o pão e deu-vos graças, dizendo : tomai, comei, isto é o meu corpo que será destruído por vós. De igual modo, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice do meu sangue, que será derramado por vós. Quando fizerdes isso, fazei-o em memória de mim”
“A oblação será apresentada pelos diáconos ao bispo, e ele dará graças sobre o pão, para que seja símbolo do Corpo de Cristo, e sobre o cálice de vinho misturado, para que seja a imagem do Sangue derramado por todos os que Nele creem (...) todas estas coisas explique-se o bispo aos que recebem a comunhão. Depois de partir o pão, ao apresentar cada pedaço, diga: o pão do Céu em Jesus Cristo. Aquele que recebe responda: Amém. Se os presbíteros não forem suficiente; peguem nos cálices os diáconos, e coloquem-se em ordem (...) os que recebem a comunhão provem de cada cálice, dizendo três vezes àquele que dá: Em Deus Pai todo poderoso. Responda o que recebe . Amem. E no Senhor Jesus Cristo. Amem. E no Espírito Santo e na santa Igreja. Amém.” (Tradição APOSTÓLICA; N. 4. 15. 18)
São Cipriano de Cartago
Deve ter nascido no ano de 205, recebeu o seu batismo com probabilidade entre 245, ordenado bispo de Cartago em 249 e sofreu o martírio em 14 de setembro de 258 em Cartago. Dono de uma formidável cultura, viveu na juventude as aventuras de um nobre de renomada família romana, residente a 2 ou 3 gerações na África do Norte. Como bispo de Cartago, era considerado um “Pater”, pelo povo e clero em geral. Grandíssimo teólogo presenteou a Igreja católica com uma das mais belas obras sobre a natureza da Igreja: De Unitatem Ecclesiae Catholica, Sobre a Unidade da Igreja Católica; Suas epístolas foram um testemunho de vida cotidiana, litúrgica, martirial e pastoral para todos os tempos da Igreja. “Como Cristo nos conduzia a todos, vemos que a água figura o povo e o vinho o sangue de Cristo. Quando, no cálice, a água é misturada ao vinho, é o povo que se mistura a Cristo, é a multidão dos crentes que se une àquele em quem ela crê. Esta mistura, esta união do vinho e da água no cálice do Senhor é indispensável. Também a Igreja, isto é, o povo que está na Igreja e que fielmente, firmemente, persevera na fé, não poderá jamais ser separado de Cristo, mas ficará unido a ele por um amor que dos dois não fará senão um. Quando se consagra o cálice do Senhor, não se pode oferecer somente água ou somente vinho. Se for oferecido somente o vinho, o sangue de Cristo estará presente no cálice sem nós, se houver somente água, aí está o povo, mas sem Cristo, isto é, sem a Igreja. Pelo contrário, quando um se mistura ao outro e, confundindo-se, formam um, o mistério se realiza. O cálice do Senhor não é mais apenas água nem apenas vinho, sem mistura dos dois, assim como o Corpo do Senhor não pode ser só pão. Aí se encontra igualmente figurada a unidade do povo cristão: como grãos numerosos reunidos, moídos e misturados formam juntos um único pão, assim em Cristo, que é o pão do céu, saibamos bem que não há senão um só corpo, no qual nossa pluralidade está unida e fundida”
(Epistula, 66, ad Conelium episcopum romani) Fontes Bibliográficas: Antologia Litúrgica: Textos Patrísticos e canônicos do Primeiro Milênio, 2. ed, Fátima, 2015. Clément Olivier, Fontes. Os místicos cristãos dos primeiros século, ed. Subiaco, Juiz de Fora, 2003.