As prospectivas globais da humanidade já há mais tempo não estavam sendo vistas tão cor-de-rosa assim, quando de repente aparecerem densas nuvens no horizonte, que, como num golpe, mudaram o cenário totalmente: um novo vírus, a COVID19, espalhando-se rápido e sem dó pela superfície da terra numa pandemia assustadora. Ao lado da crise do aquecimento global e de outros sérios problemas ambientais que estão matando a vida sobre a terra, estamos agora envolvidos numa grave crise sanitária que está matando pessoas humanas e prometendo consequências sociais graves.
Nesta situação de “crise” pandêmica, é urgente agir. Mas é propriamente aqui que emerge uma outra e radical crise: agir em base a quais princípios e valores, e, sobretudo, em base a quais consensos? As tentativas que estão sendo feitas e que devem ser realizadas neste sentido até agora são ainda medrosas e frágeis.
Ocorre urgentemente dilatar uma lógica que possa suscitar um profundo sentido da vida pessoal e uma vasta e global solidariedade social, capazes de inspirar às pessoas individualmente e aos povos uma verdadeira ressignificação da existência humana e uma autêntica equidade nas relações sociais: familiares-comunitárias, locais e globais; dilatar um paradigma que possa dar “alma” à exigência de um verdadeiro sentido de viver e uma autêntica e universal fraternidade, capazes de provocar felicidade pessoal e de unir harmoniosamente, sem encolher as legítimas diversidades, os habitantes da única casa que é o planeta terra.
Neste contexto de crise pandêmica, ressoam com nova e surpreendente atualidade as palavras de Jesus de Nazaré: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Todos, com efeito, precisamos do “pão”, mas interiormente somos sempre movidos por uma “palavra” (um “verbo”, uma “lógica de pensamento e ação”). A questão, porém, é: de que “palavra”? Pode ser de emoções do coração ou idéias da mente movidas meramente pelo egoísmo; pode ser de esquemas inspirados pela mentalidade materialista nada favorável a um encontro entre pessoas e culturas; pode ser vozes que saem difusas de dentro de nós impregnadas da cultura do descarte e da morte e por isso nada construtoras de vida. Mas pode, essa “palavra”, ser também - se, com um verdadeiro ato de liberdade, conseguimos fazer silêncio dentro de nós - aquele verbo “amar”, ou seja, aquela lógica de ser, enquanto pessoas, “imagem-semelhança-filiação divina”, e, enquanto sociedade, “comunhão-reciprocidade-fraternidade humana”, por isso pessoas e sociedade espelhos do Deus-Amor. A “palavra” Deus-Amor e a “palavra” humanidade-amor, ambas o grande e autêntico “euangélio” - “Boa-Nova”, precisam ser novamente conjugadas de todos os modos possíveis.
Portanto, trata-se de alimentar a fome da “Palavra”, assim como alimentamos o “pão”; trata-se definitivamente de alimentar a fome da Palavra de Deus, pois ela é a única “Palavra” certa, segura e plena. É o que as verdadeiras religiões devem oferecer neste momento; é o que a Igreja de Cristo tem a oferecer, quer oferecer e precisa oferecer, para, inclusive, ser fiel à sua missão de ser. Ela, Igreja de Cristo, sempre redescobrindo essa missão de ser uma resposta à fome da Palavra de Deus, ajudará a humanidade a reencontrar a esperança tão necessária e indispensável neste atual cenário pandêmico, pois já no século 16 passado, também envolto em tantas crises, se afirmava sem medo de errar: “Se floresce a Palavra de Deus, tudo floresce na família humana”. A “fome” da “Palavra” deve ser alimentada, é questão de vida ou morte!
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.
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